segunda-feira, 16 de janeiro de 2006

Quem sai aos seus não degenera


Quando era pequeno, por razões próprias da minha estrutura familiar, acreditava que a minha mãe era Santa Maria, mãe de Bernardo, e o meu pai uma espécie de Mefistófeles exótico.

A minha família era eu e a minha mãe, e de alguma forma, isso era suficiente para me sentir seguro e feliz. Todas as virtudes assentavam que nem uma luva à minha mãe e, por essa razão, a sua companhia era fonte de grande alegria.

Durante muito e muito tempo foi assim que me senti, e pensei sempre que seguir os seus exemplos, transformar-me nela, seria o meu objectivo e propósito.

Com o avançar da adolescência fui descobrindo que as coisas não eram assim lineares. Que a minha mãe, como o meu pai, tinham qualidades e defeitos e era dessa combinação que eu tinha surgido. Qualidades e defeitos.

Depois destas constatações passei a uma nova fase de reflexão e de embirração. Olhando para os meus pais era fácil enumerar a lista de coisas que não gostaria que eu fosse quando “crescesse”. Não queria ser demasiado curioso, ou demasiado distante. Não queria ser demasiado depende, nem demasiado independente.

Nessa fase pós-adolescência e começo de vida adulta concluímos que quando crescermos não queremos ser isto, nem aquilo, baseado principalmente nos comportamentos de quais discordamos materializados nos nossos pais.

O que é curioso [parece sempre que tenho uma curiosidade a jeito para transmitir] é que com o passar o do tempo vamos confrontando-nos com algo estranho: fazer exactamente aquilo que criticávamos nos nossos pais.

Isso é particularmente assustador, quando despendemos tantas energias a negar essas características que agora parecem comodamente alojadas em nós. E se há umas menos assustadoras, há outras que não queríamos mesmo ter.

Para os mais interessados na questão da ciência, poderemos falar de como os nossos genes são preenchidos de código genético parental e familiar. E que por muito que se queira não os podemos remover, apagar, ou vender a quem os quiser. Nesse sentido, existe algo já programado em nós. Algo que vem deles, e que também nos tornamos.

Outros mais esotéricos poderão afirmar que temos os pais que escolhemos, tipo aquela lista de fotos policiais que vemos nos filmes: “Estes não... estes não... Sim! Quero nascer com estes pais.”

Confesso que seja qual for a versão a minha dúvida é a mesma: poderemos contrair essas características parentais que tanto nos incomodam? Dentro deste contexto houve quem me dissesse que se já temos consciência delas, claro que as podemos contrair, dissolver, gerir ou substituir.

Mas eu não tenho a certeza. Tenho apenas a certeza que somos filhos de quem somos, com as características que têm e que não se podem trocar. Mas uma vez mais fica a pergunta: somos fruto de um passado pré destinado, ou temos a possibilidade de escolher o que queremos ser? Podemos fazer os genes se tornarem recessivos, ou eles têm vontade própria?

2 comentários:

  1. O apelo de Píndaro, para alguns o mais inspirado poeta grego do séc. V a.C., é notável: «torna-te aquilo que és»

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  2. O que é verdadeiramente curioso é teres escrito este artigo despois do "Desculpem?!?!"
    Que tal SENTIR com todas as partes do corpo, como dizia Fernando Pessoa?

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