A questão do próximo referendo tem levando inúmeras questões, tanto públicas, como privadas. A mim pessoalmente tem-me feito reflectir sobre o valor da vida humana, mas também sobre a sociedade, sobre a forma como se organiza e estrutura, e sobre a sua própria grelha de valores.
Se a minha opinião não é pertinente por si, a partilha no espaço público das nossas próprias reflexões tem o valor de poder promover e fomentar as reflexões dos outros.
Aqui discrimino os principais valores com que me oriento:
1 - Sempre a favor da vidaSou sempre a favor da vida, da escolha de viver, do amor pela vida, pela paz, pela justiça, pela alegria e pela harmonia. Se o referendo fosse sobre o valor da vida humana em si responderia sempre que sim: acima de tudo a vida, primeiro a humana, mas também a animal, a vegetal, a mineral, a espiritual, a emocional e todas as formas e expressões de vida.
2 - Sempre a favor da liberdade de escolhaSou sempre a favor da liberdade de escolha. Desconfio dos que querem moldar, determinar, orientar ou punir as escolhas dos outros, principalmente quando estas são do foro privado e íntimo, e ainda mais quando não têm repercussões directas na vida do meio social em que se integram.
Mas mesmo quando o têm, acho que a cada um cabe o direito de fazer as suas escolhas, sem limitações. Por muito doloroso que seja para o próximo, proibir será realmente ajudar o próximo? Educar?
3 - Sempre a favor da educaçãoAcho que perdemos o sentido do que é relevante nestas questões. Não é se o aborto deve ser livre ou não. Se o devem fazer com o seu próprio dinheiro ou pagos pelo estado. Não é se é moralmente correcto ou incorrecto. A pergunta que me é pertinente é: porque é que acontece?
Porque é que o aborto existe? Porque há pobreza, porque falta educação, porque falta solidariedade, porque falta esperança...
Acredito profundamente que são esses os males a combater, são nestas áreas que os investimentos devem ser feitos.
Se o dinheiro que se gasta em campanhas a favor do sim ou do não fosse investido em educação, talvez este problema se suprimisse mais rapidamente.
4 - Sempre a favor da informaçãoAcho que andamos a brincar ao gosto mais disto ou daquilo. Afinal este referendo trata do quê? Do aborto propriamente dito? Da sua despenalização? Qual é a legislação em vigor? Quantos abortos ilegais são feitos? E legais?
É fácil dizer sim ou dizer não. É difícil escolher em consciência. Este é o jogo dos media, da nossa sociedade. Agora vamos brincar aos prós e aos contras. Vamos ser contra ou a favor. Mas afinal o que está por trás desta questão?
5 - Sempre a favor da participaçãoAcredito que a decisão do aborto, a existir tem de ser participada. Ou seja, não basta apenas à mãe decidir que não o quer, que não o pode ter, acredito que o pai tem direito sobre esse ser também. Sobre a forma da sua vida futura e sobre o que irá acontecer.
Num acto participado pelos dois, são os dois que devem decidir e assumir as suas consequências.
6 - Sempre a favor do que virá
Independentemente do resultado do próximo dia 11, acredito que há processos irreversíveis, que a forma como a sociedade se regula não se coaduna com vontades, pareceres, decisões e determinismos. Podemos ser contra ou a favor, mas acho que a despenalização é irreversível, pelo menos do ponto de vista legal.
No entanto, também vos quero ouvir.
E tu? O que achas?
Ana said...
Bernardo said...
Começo por agradecer os vossos comentários, e dar-vos as boas vindas.
Em relação do aborto entre pais que divergem de opinião, não há, obviamente, respostas fáceis. Apenas considero que pode existir soluções consertadas. O pai pode assumir os encargos da mãe no período da gravidez e posteriormente ao nascimento. Sei que é violento forçar uma mulher a carregar uma criança que não quer por nove meses, mas também é violento ter a participação do pai para uma coisa, e ignorar a sua vontade em relação ao resultado da sua participação. Voto por uma maior consciência e soluções de compromisso.
"A questão é saber se queremos que quem o faz deve, ou não, ser condenada pela justiça?" Sim, claro - como também o disse sou a favor da liberdade de escolha, e não aceito que seja a sociedade a punir alguém por uma escolha pessoal e extremamente íntima. Temos direito de preservar a vida sobre qualquer custo?
"sempre menos quando o que está em causa é o direito à autodeterminação sexual da mulher" Sim também concordo - desde que essa autodeterminação seja consciente nos actos e nas consequências. Não concordo que só se exijam o respeito e liberdade nas escolhas das consequências dos actos, e não dos próprios actos.
Cyberpunk said... "Voto por uma maior consciência e soluções de compromisso." - Pois, eu também. É uma frase bonita.
Mas na prática queres dizer o quê? És a favor ou contra a legalização da Interrupção Voluntária da Gravidez? (atenção que não estou a perguntar se és contra ou a favor do aborto)
Mulher pragmática esta Cyberpunk! Se a pergunta do referendo fosse: "É a favor da legalização da Interrupção Voluntária da Gravidez?", eu teria que responder SIM.
Bernardo said ...
Amigo Franquet, sem dúvida que essa exclamação é maravilhosa. Recordo aliás um dia, em que um casal amigo me disse assim: "Estamos grávidos!" Acho que esse tem de ser o princípio. O da inclusão do casal e da criança, ou crianças que irão nascer. No entanto, todos os dias ouvimos histórias de crianças maltratadas, abusadas, feridas, abandonadas. Futuros incertos e dolorosos. Que pesados em contra-posição a tristeza do aborto não consigo decidir em rigor qual é melhor.
Uma coisa é certa, a dor e a injustiça do mundo não se resolvem com os votos, ou com um referendo, mas com a acção constante e determinada de quem sabe fazer parte de um todo.
A mim? Este excerto.
Ora lê:
"Nas aldeias antigas, as mulheres do campo
esperavam o princípio da tarde para correrem
no meio das searas, em busca de uma clareira
onde se pudessem despir, para que o sol,
descendo à terra, as pudesse possuir. O fogo
que nascia dos seus lábios pegava-se à erva,
e durante um instante toda a seara ardia,
sem fogo nem fumo, apenas com o desejo
que se soltava da sua boca, e ia apagar o sol,
nas tardes em que a noite caía mais cedo.
Espreitei essas mulheres quando voltavam
das searas, e nos seus olhos traziam um cansaço
de amor. Acompanhei-as às suas casas, e vi-as
deitarem-se contra a parede, olhando os seus
rostos no espelho que as velhas seguravam.
Tinham no rosto um princípio de melancolia;
mas diziam-me que a noite resolveria tudo,
quando a sua cabeça se enchesse de sonhos.
«Que queres daqui?» perguntavam-me. E eu
pedia-lhes que me guardassem a imagem
do espelho, em que a eternidade se dissipa,
como o seu sorriso no rescaldo do prazer"
Nuno Júdice @ 12:46
27 Janeiro, 2007 14:05