segunda-feira, 14 de abril de 2008

Que peso! Que leveza!


Desci as escadas aos tropeções, porque já não tinha forças nas pernas. Pé depois de pé, dor atrás de dor, carinho desejado a seguir de carinho desejado, querer perdoar, como patamar a atingir. Desci ou subi, sem a minha força mecânica. Obrigado, pela ajuda!
Aquilo que me fazia mover abriu a porta de um mundo novo dentro do nosso mundo. Não sei se era Paraíso, se era Inferno. Desci ao Inferno ou ao Paraíso? Indiquem por onde andei! Não sei como me encontrei, aqui. Aqui num sítio sem perigo!
Vi a copa da árvore a dar voltas e mais voltas, dançava e dizia-me:
"Bem vinda!". Sim, cheguei, isto é o Paraíso, presumo!? Bateu algo na cabeça confusa, no olhar não nítido, na certeza já não absoluta... Era a noção orientadora do mal. Ou se calhar, do bem. Que leveza! O que em mim é material, também se tinha tornado espiritual. Agora, era capaz
de flutuar por cima do rio de rochas brutas que são os seres humanos.
Sem ter bem a nitidez das minhas necessidades, quis o líquido que me banhou a testa quando houve alguém que me quis sacrificar a favor de uma religião, por ter fé no encontro de um espaço cósmico melhor.
Eu descobri, oiçam, fiz uma descoberta. Não sei se desci aos Infernos, se subi aos Céus.
No meu campo restrito de visão e audição, ouvia muitas vozes, até conseguia ouvir as perguntas que faziam, tudo por preocupação.
Acalmem-se, nada morreu, tudo renasceu, saiu de mim, talvez mesmo como uma revelação. Neste momento é mais fácil compreender-te!
Eu sei que estavas lá. Tu, que para mim significas o melhor que existe no território dos imortais, mostravas-te como uma coisa não desejada, eras o Diabo que despertava, em mim, a vontade de ser violenta. A ti, continuava a ver-te, claramente, como um Deus. Ouvi as gargalhadas que saíam de vocês. Estavam a ficar apavorados. Não se preocupem, o anjo aproximou-se. Abanaste-me com as tuas arrufadelas de ar fresco pelo caminhar. Ali não havia tempo, não sei quanto tempo demorou. Era tarde, porque já a porta estava fechada.
Houve algo, muito superior, que dizia "Vai pelas tuas próprias pernas". Anda, porque vais chegar lá. Sigam-me. Não fiz o gesto, nem proferi qualquer palavra, mas sentia que o meu poder passava por só pensar, pois as coisas materializavam-se. Depois, quando o papel se
inverteu, senti-me frágil e com necessidade de adormecer, tinha a sensação que se dormisse encontraria um espaço ou situação muito melhor, talvez mais virtual, mais esplendorosa...
Os meus lábios não se moviam, os membros retraíam-se... Apatia total! Deixei de ver pessoas, de ouvir sons, depois da voz do anjo dizer para encostar e descansar. Vocês guiavam-me! Quando tu, meu guia, dizias "Tens de ter forças, de resistir, não podes fechar os teus olhos!", eu ia buscar dentro de mim a garra mais escondida, para conseguir corresponder ao muro forte que sempre fui. O meu mundo já não era o vosso.
No meio disto, tive clarões de maior rigor naquilo que via, ouvia e sentia. Senti que, no Inferno ou Paraíso, tiraram-me a roupa para apanhar o ar que me trazia, muito lentamente, pouco a pouco, ao mundo real, sem sucesso, pois ainda me sinto lá, naquele sítio inatingível...
São sensações tão soberbas que fico extasiada com o ambiente e a potência de uma pequena escada, a seguir à outra. Ainda tenho o teu cheiro. Obrigado por esta iniciação!
Ana Filipa Silva - 1999

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