Era uma vez uma menina que brincava com os livros. Dizia serem como peças de puzzle.
Leu primeiro O Fio da Navalha em que aprendeu muito sobre a sociedade americana dos finais do século XIX e início do século XX . Tanto que deixou quase todas as páginas do livro vincadas pelo sublinhado de um lápis que evidencia o que a tocou, o que quer dizer que gostou muito do livro . Considerou-o uma bíblia de relações sociais. Quando o acabou sentiu-se perdida. Tinha de encontrar a peça que encaixava com aquele que deixava para trás.
Da sua estante retirou uma outra obra. Essa já a tinha tentado encaixar anteriormente no puzzle dos livros, mas não conseguiu, pois não encontrava a posição devida ou não correspondia à forma que se deixava livre.
Deu início à sua leitura. Pareceu-lhe um pouco maçadora, no entanto esforçou-se por não dificultar o jogo e, então, apercebeu-se da importância daquela peça. Aos poucos ia encontrando semelhanças com a anterior e era divertido ver que não era tudo mera ficção, porque se o fosse não se repetiria por mão de autores tão diferentes, como são Edith Wharton desta segunda peça chamada A Idade da Inocência e W. Somerset Maugham da anterior.
21H10M: Segunda peça- O tempo
O tempo, o que fazemos com ele, a nossa previsibilidade, tudo se transforma em rotina e nos desenha aos outros mais nitidamente do que a nós, pois ainda temos esperança sobre a nossa pessoa, mas é tudo engano do medo que o tempo acabe.
...era uma das casas em que se sabia sempre o que acontecia a qualquer hora.
(...) As luzes já brilhavam através das janelas e Archer, quando a carruagem parou, entreviu o sogro, exactamente como o imaginara a passear na sala de relógio na mão, com a expressão triste que descobrira há muito ser mais eficaz que a fúria.
Temos de aprender a pouparmo-nos, mas isso não significa que vivamos no ócio.
Era um princípio na família Welland que os dias e as horas das pessoas deviam estar “preenchidos”. A possibilidade melancólica de ter de “matar tempo” ( especialmente aqueles que não gostavam de whist ou paciências ) era uma visão que a aterrava como o espectro dos desempregados aterra o filantropo. Outro dos seus princípios era que os pais nunca ( pelo menos de modo visível ) interferiam com os planos dos filhos casados. E a dificuldade de ajustar este respeito pela independência de May com a exigência dos pedidos de Mr. Welland só podia ser vencida pelo exercício de habilidade que não deixava um segundo do tempo de Mrs. Welland por preencher.
In Idade da Inocência, de Edith Wharton
Ela, a pequena menina dos puzzles, olhava para cada peça e pensava como é que podiam ser tão vivas, ter uma animação tão própria... Parecia que tinham vida, como os humanos. E, afinal, eram apenas o produto da imaginação.
Maravilhava-se com a capacidade dos adultos. Mas quando cresceu e começou a perceber que tudo isto era mais complicado do que juntar peças, viu que, afinal, os homens rejeitam outros homens, aqueles que têm ideias mais avançadas ou daquelas que nos fazem sonhar e ficarmos petrificados com a sua beleza.
Esses eram crianças em corpos de homens grandes... ela julgava que os outros também eram, só que tentavam apagar esse seu lado tão maravilhoso como embaraçoso, porque é regido pela força dos impulsos e do inesperado.
São marginais que não se convida para as festas, para partilhar o mesmo espaço. Ela tinha razão quando dava como justificação para tal recusa o medo dos adultos mascarados ficarem eclipsados pela força enérgica dos adultos crianças.
24H20M: Um bilhete a Edith Wharton
Fiquei desiludida com a forma como tudo acabou, pois esperava que eles tivessem mais força, que eles tomassem outros rumos e, sobretudo, que o destino escrito por ele fosse mais forte do que uma aceitação simples das convenções.
A Idade da Inocência chegou ao fim depois de me ter acompanhado desde há algum tempo. Agora, sem ela, sem aqueles meus amigos e amigas que me confessavam até aquilo que não sabiam, sem elas... como vai continuar os meus dias?! Apeguei-me a elas e, neste momento, já partiram assim, sem sequer manter contacto comigo nos próximos tempos!?
Ficou tudo em aberto, mas já acabado. Concordo que não gostei do último capítulo. Andei sempre na esperança de que o desfecho fosse outro. Queria que ele ficasse com ela, mesmo que isso fosse o início de uma dor enorme no coração da pobre May. Por outro lado, este amor quase platónico sabe bem e, logo, se fosse concretizado talvez não soubesse a nada.
Com estes personagens e toda a narrativa, com esta autora, aprendi tanto e não queria assim fazer esquecer este meu professor sem voltar a saber mais dele.
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