Gosto muito de gavetas, sempre gostei. Aquele cheiro de madeira, os forros de papel colorido, os saquinhos com lavanda. Gosto de gavetas: de cuecas, de meias ou de t-shirts. Gosto das que têm papel e canetas coloridas, ou das que guardam as cartas e os postais das viagens. Gosto das que guardam os bilhetes que vamos reunindo com o tempo.
São úteis e são práticas. Julgo que quem pensou: "eh pá, e se neste armário eu metesse umas coisas que dessem para puxar e voltar a meter para dentro, onde se pudesse pôr tudo e mais alguma coisa, arrumar coisas, que bela ideia seria"; era realmente um génio.
Gosto de gavetas: aquelas que guardavam os chocolates em casa da avó e que depois de almoço podíamos ir buscar, as gavetas com os talheres de prata, ou com os guardanapos brancos. Gosto de gavetas.
Mas se calhar a moda pegou demais. A necessidade de deixar tudo ordenado, no sítio, tudo bem posto e organizado. Se calhar a moda pegou. E agora as pessoas arrumam tudo, mas mesmo TUDO. E se na parte dos bens materiais não me faz confusão, na parte dos sentimentos, das emoções, deixa-me bastante apreensivo.
"Amigos, para aqui. Namorados, acolá na gaveta de baixo. Os chatos, vão para ali."
As pessoas gostam tanto de arrumar que colocam tudo lá. Coisas boas e coisas más, alegrias e tristezas, amigos e inimigos, chefes e empregados, aventuras e incidentes, família, vizinhos, donos de café e tudo o mais que lá couber. E do lado de fora coloca-se um papelinho rectangular com o título da gaveta só para não se baralharem muito.
Claro que ás vezes é difícil arrumar algumas coisas: "Gosto dele, então vai para aqui; espera, mas ele ás vezes é tão chato, se calhar é melhor pôr ali; mas ele tem uns olhinhos, vai mas é para esta." E outras vezes é mais difícil de identificar:"Esta vai para o baú dos 'não faço nem ideia' ".
Gosto de gavetas, mas acho que já estamos a exagerar: ele é velho, ele é mau, ela é chata, ele é pequeno, ela é preguiçosa, ele é mariquinhas. Se calhar já chega. Já CHEGA!
Usar gavetas é óptimo, serve para muita coisa material. Mas o resto, sinceramente, não o arrumem, deixem-no sempre a jeito. E a cada instante olhem para o outro sem rótulos, e sem gavetas.
Afinal até pode acontecer que não caibam lá dentro, e depois? Já pensaram no trabalho que dá?
Bernardinho, um post destes só podia vir de uma pessoa com tudo muito arrumadinho dentro de si... Será que nunca experimentaste o despero de sentir tudo desarrumado cá dentro ao ponto de não saberes sequer onde tu próprio estás no meio daquela mixórdia toda? Vá lá, ja sentimos todos!! Arrumemos, meu querido! Deixando as gavetinhas ligeiramente entreabertas para deixar "respirar" o que está lá dentro... mas arrumemos de vez em quando!:)
ResponderEliminarSabes, gosto mais de prateleiras. São mais amplas, limpam-se melhor, cabe sempre mais qualquer coisa. Sem falar no Sol que pode entrar sempre que lhe apetecer.
ResponderEliminarAcho que a moda das gavetas tem feito tanto sucesso porque as pessoas têm medo e por isso "arrumam/classificam" - tu dizes isso muitas vezes. Assim, têm a ilusão de que controlam e dominam as suas vidas.
Mas também acho que classificar não é necessariamente mau. Facilita-nos a comunicação! Além disso, arrumar não significa que não está a jeito, mas que sabes onde encontrar se precisares.
Se calhar, o equilibrio está em saber o que é melhor nunca arrumar.