quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Amor que vale a pena

Uma imagem com rostos coloridos e idênticos

Há muito tempo que procurava pela resposta à grande angústia do meu sentimento. Não sei porquê: talvez educação, talvez meio, talvez genes, mas aprendi que para ser bem sucedida, para ser feliz, precisava de um homem na minha vida que me completasse, que me acarinhasse, que me valorizasse, que fizesse tudo por mim e comigo, e, acima de tudo, que estivesse pronto para passar o resto da vida comigo.

E isso tem sido missão impossível. Desde que comecei a me relacionar. Ainda me lembro do primeiro namorado. Aquele beijo roubado atrás da bancada das revistas da minha rua. O sol estava quente, e a minha mãe esperava por mim na porta de casa. Mas o Carlos puxou-me pela mão, encostou-me contra o vidro quente que tinha um qualquer cartaz com uma capa de revista, e deu-me um beijo.

Aquilo não se podia chamar um beijo, foi uma explosão, um cataclismo, uma bomba atómica. Naquela fracção de segundo, entre o “mas o que é que ele está a fazer” e o “oh meu deus, morri e fui para o céu.” E antes que pudesse perceber, pudesse ter vergonha, pudesse sentir qualquer outra coisa, já ele fugia rua a baixo. Senti-me perfeita, senti-me nas nuvens, como um mar de verão fresco e quente e limpo, que enche o corpo de frescura e alegria.

E depois veio tudo o resto, o encantamento, o pedido de namoro, o passear de mãos dadas, a vergonha do primeiro filme de cinema juntos, os beijos roubados, os beijos oferecidos, os amassos, os ciúmes, as dúvidas, a vergonha, a culpa, a insatisfação e o fim da relação. 

Não acho que seja especial ou diferente. A partir daí aconteceu o que acho que acontece às pessoas. Umas relações melhores, outras piores. Umas com fins bonitos, outras com fins trágicos. Mas sempre, sempre, sempre, com uma sensação absoluta de que faltava qualquer coisa. Que com cada fim vinha uma maior sensação de incompetência, de fracasso, de falhar como mulher, como pessoa.

Agora percebo isso, na altura não. Acabava sempre por ficar revoltada com eles. Porque me traíram, porque não se comprometiam, porque me enganavam, porque não estavam prontos, porque se foram embora. A culpa era dos homens, desses seres velhacos. Mas que tanto desejava na minha vida. Era a profunda dicotomia. Amá-los e odiá-los.

A princípio estava convencida que haveria um para mim. Não era como a minha amiga Sofia, que com o insucesso do seu primeiro amor tinha desistido de amar, ou a minha amiga Paula que se escondia num encadeamento de relações fáceis e vazias.  Eu acreditava que o meu tempo chegaria. 

Mas não chegava, o tempo passava e nada. NADA! Vinte, vinte e cinco, vinte e oito!!!! TRINTA!!!

E assim tomei uma decisão. Investir em mim, no que gostava e no que me fazia feliz. Independentemente de ter alguém a meu lado ou não. Sozinha construí uma casa, um trabalho, amigos e uma vida que me permitia sentir preenchida. Fui descobrindo quem era e montando a minha vida como um puzzle.

E assim passou muito tempo. A viver a minha vida sozinha. Feliz, dentro do que me era possível, mas a sentir que me tinha encontrado. A minha alma sorria. 

Mas o Pedro surgiu, meio bomba atómica, meio tempestade. Eu já não esperava ninguém, mas ele veio. E nesse momento senti-me completa. Preenchida, dentro daquele mar quente e fresco e intenso. Ele fazia-me sentir amada. Ele fazia-me sentir desejada. Ele era tudo. Eu estava de volta no princípio de tudo.

Queria tanto que pus tudo. Despejei o amor, o desejo, o medo, a saudade, a insegurança e tudo o que afinal tinha guardado na minha alma (e muitas das coisas que nem sabia ter guardado) nesta relação nova. E abdiquei de tudo: do trabalho que amava, dos amigos que me acompanhavam, dos exercícios que fazia e me davam tanta paz. Larguei tudo para ficar com ele. 

Eu puxava ele fugia, eu corria ele largava, eu sonhava ele não estava. E quanto mais queria e mais desejava, e mais me colocava nesse desejo ardente de ser dois mais estava sozinha nessa aventura. Quanto mais o queria, menos ele queria. Quanto mais o desejava, menos ele me queria. E tal como tinha vindo desapareceu. Foi. E no camião TIR levou tudo. A minha auto-estima, a minha descoberta, a minha alegria. 

Tinha falhado de novo. Tinha trinta anos e estava de novo sozinha. Sem NADA. Não tinha amor, não tinha relação, não tinha trabalho, não tinha nada. O que raio tinha acontecido? Eu que me sentia tão realizada e forte e segura de mim. Afinal não era nada. Nuvens de fumo onde me tinha sentado. Balões de sabão que rebentavam nas minhas mãos.

Afinal quem era sem a outra pessoa? Quem era sozinha sem relação, sem amor, sem partilha, sem companheiro?

Aterrei fundo no poço da miséria e da tristeza. E lá fiquei. Muito tempo. Zangada com os homens, com o mundo, com tudo. E ele ligava e lá ia. E ele ia embora e lá ficava. Ele era tudo. E sem ele eu nada. E não me conseguia libertar da convição que só ao lado dele seria feliz.

Mas nesse túnel escuro e sem fim apareceu uma pequena luz. Um vislumbre. Uma pergunta que dizia: para poder dar amor não tens de viver esse amor em ti?

A princípio parecia uma daquelas frases feitas. De anúncios de leite, ou de revistas baratas. A princípio a resposta parecia simples e evidente. Eu gosto de mim. Eu amo-me. 

Mas com o tempo, as dúvidas surgiam em mim. E se eu construísse uma vida que pudesse partilhar, uma vida que me enchesse, que me concretizasse, e que acima de tudo não abdicasse por ninguém?

E foi nesse instante que DECIDI! Que escolhi-me em primeiro lugar. "Vou me reencontrar. E nunca mais me vou sacrificar."

E assim foi. Reconstruí a vida, o trabalho, os amigos, a casa, os projectos, as orações, as experiências e continuei a minha aventura de auto-conhecimento. E re-encontrei a alegria de estar em paz. E nesse lugar maravilhoso acabei por criar espaço para outra pessoa.

E agora tenho um novo amor, um amor que me completa e que me faz feliz. Mas este amor não é a minha vida. Este amor é uma parte da minha vida. Que varia em importância dependente do tempo, do que tenho para fazer e de todos os factores que importam na minha vida.

Quando podemos estamos, quando podemos amamos, quando podemos vivemos, e quando não podemos continuamos a ser, a estar e amar. Apenas outras pessoas, outras coisas e outros momentos. 

E isso... Isso é que realmente me faz feliz!