quinta-feira, 12 de janeiro de 2006

Sobre o querer e a capacidade de o fazer


(Já tinha indiciado o início deste tema, mas agora vou desenvolver as ideias sobre o mesmo)

O querer e o fazer são, em minha opinião, a base que estrutura a nossa vida, e a forma como nos comportamos nela. Acho que a relação que as duas estabelecem entre si definem a forma como somos no mundo, como agimos e os resultados que se obtêm na vida.

A primeira questão que me parece fundamental para este tema é que, tanto o querer como o fazer, têm uma multiplicidade de formas, de inspirações e de formulações. Aqui apresenta-se a base do desafio.

Podemos querer muita coisa, e há quem diga que o desejo ou a vontade são definidoras da nossa identidade. No entanto, essa vontade não faz sentido sem se analisar conjuntamente o resultado da mesma.

Desde que nascemos que queremos. Queremos isto ou aquilo, o branco ou o preto, o sim ou não. Todos os dias e a todos os instantes.

Mas este querer só faz sentido quando se materializa ou não num fazer. Numa concretização se um sonho, de um projecto, de objectivos, paixões ou apenas de trabalho duro e esforço.

Desde sempre que esta questão representa para mim fonte de reflexão e de muitas interrogações sem resposta. Mas também acho que já aprendi que o que nos move e motiva é mais a pergunta do que as respostas que obtemos.

Ora a segunda questão que surge desta dinâmica é a forma como se relaciona o querer e o fazer e porque é que tantas vezes na nossa vida estas não coincidem entre si. Porque é que tantas vezes o que queremos, e mais importante, o que sabemos, é tão diferente daquilo que fazemos.

Essa para mim representa a questão essencial.

Ultimamente este conflito, esta tensão essencial tem me transportado a um ponto pantanoso da minha vida como ser. Porque será que aquilo que sei que é bom para mim, que me faz bem e que é importante, é tão distante das coisas que efectivamente faço?

Olhando de coração aberto para o que me habita não posso dizer que não sei, nem percebo, aquilo que me faz bem e que me é importante. Ter cuidado com o que como, respeitar o meu corpo, descansar, trabalhar para as coisas que são importantes, ser metódico e comprometido com esse bem…

Sei porque o ouço em mim. Sei que as coisas importam, e tem valor. Sei que isto é melhor e aquilo é pior. Que isto é o ideal e que aquilo é acessório. Pelo menos quando crio o espaço para isso, sei a resposta.

E apesar disso, tantas e tantas vezes não faço, não quero ou não sou capaz. Porquê?
Estou certo que alguém poderia dizer que essa é a liberdade que temos, o livre arbítrio, poder escolher o que queremos fazer. Mas, na realidade, isso confunde-me. Se somos seres bons, que procuramos o melhor e o que é importante, porque é que escolhemos tantas vezes não o fazer?

É muito curioso. Até porque sinto que tantas vezes, quanto mais próximo sinto as coisas que devo fazer, mais luto para contrariar essa vontade, fujo desse centro ou desse sentido.

Podem dizer obviamente que se calhar isso que acho que é importante e que não faço, não será assim tão importante, porque se realmente o fosse eu fá-lo-ia. E eu tenho de concordar que há algo misterioso aqui. Há algo estranho nesta dialéctica.

Mas acho, do que sinto em mim, que a resposta é mais simples. Já ouvi dizer muitas vezes que a genialidade é noventa por cento de trabalho duro e dez por cento de criatividade. E mesmo assim, passo o tempo a tentar usufruir dessa criatividade inspiradora sem trabalho.

Acho que sou preguiçoso. Acho que pode ser essa a resposta fundamental à questão. Que realmente para conseguirmos fazer as coisas importantes não podemos não querer trabalhar para isso. Esperar que nos caí no colo, sem esforço, sem empenho.

Mas então de onde vem essa preguiça? Será que na nossa sociedade, nos tempos que vivemos, estejamos habituados à facilidade, ao fácil?

No tempo dos nossos pais, dos nossos avós, o trabalho era essencial, porque sem ele não conseguíamos viver. Sem esse trabalho não havia esperança, nem saúde, nem bem estar.

Hoje, sem isso, conseguimos viver, e se calhar até viver “bem”. Se não quisermos trabalhar, dedicarmo-nos de alma às coisas que importam, a vida corre sem problemas de maior. Ou pelo menos, a única coisa que realmente incomoda é esta voz que temos dentro de nós a avisar: “não é bem por aí!”

Mas no meio de tanto ruído não temos tempo, ou não queremos ter para a ouvir. Estamos sempre entretidos. Vivemos na sociedade do entretenimento. Mas esse entretenimento que tanto nos agrada, parece afastar-nos de nós. Silenciar, tornar-nos preguiçosos e acomodados.

E se assim é porque é que o escolhemos assim? Haverá uma intenção ou uma vontade superior por trás disto? Será que vivemos numa teoria da conspiração onde os poderes instituídos, visíveis ou invisíveis, querem seres humanos adormecidos, obedientes, silenciados? E se sim porque?

Ou será apenas uma qualquer memória dolorosa que carregamos e que nos diz: “agora vamos levar as coisas com calma, não pensar de mais, não sentir de mais… Vamos ver televisão, ou ler um livro, ou ir beber uns copos e deixar o importante para amanhã.”

Às vezes sinto que o tempo passa muito devagar, que passamos anos para resolver problemas tão simples. E por outro lado, ás vezes parecemos tão entretidos nessa tensão, entre o conseguir e o não, que acabamos por não perceber outra evidência. Que mudar é instantâneo, que é rápido e simples.

Não tenho respostas formatadas e simples, até porque é a pergunta que me move. Que me faz tentar ser todos os dias melhor. Mas lá em cima deve estar alguém, com um sentido de humor divino, a dizer: “este tipo demora tanto a chegar a onde deve… que preguiçoso!”

Que eu quero, quero! Mas então porque não o faço?

1 comentário:

  1. Que te valha de alguma coisa saber que essas questões nos implicam a todos. Repara nas semelhanças com as inquietações de S. Paulo:

    «É que não é o bem que eu quero que faço, mas o mal que eu não quero, isso é que pratico»
    (Rom. 7, 20)


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